Exemplo de redação dissertativa (análise comentada)


Escher, Platão e o real imaginário
O quadro "Relatividade", de Escher, mostra um mesmo ambiente, porém sob ângulos visuais diferentes, transmite a impressão de ser outro lugar. Em sociedade ocorre algo semelhante. Uma instituição quando idealizada apresenta certas características, todavia ao ser viabilizada, efetivamente, essa mesma instituição ganha novas conotações. É como girar o quadro de Escher: o projeto de algo apresenta uma imagem que pode não ser a mesma quando tornar-se real.
A instituição da igreja Católica, por exemplo, apresenta dogmas como a existência de um Deus único, onipotente e misericordioso. Criou-se essa imagem primordial de benevolência e tolerância. Porém, em meados do século XVI, em vista a reforma Protestante, uma vertente da Igreja, chamada Inquisição, foi posta em prática. Fogueira aos hereges e cerceamento aos opositores da instituição foram os preceitos reais vividos pela população. A imagem de compreensão e acolhimento foi substituída pela repressão e pela violência nada idealizadas.
O filósofo Platão tentou explicar por meio da Teoria das Ideias essa dualidade entre a imagem projetada e a real. Para ele, todas as formas existentes no mundo físico são reflexos das formas ideais, presentes somente no "mundo das ideias". Estas são perfeitas e as que temos alcance são apenas reflexos, por isso, passíveis de imperfeição. Passando da filosofia para o cotidiano, a formação de um estado totalitário tenta mesclar símbolos (imagens) com o concreto. Hitler prometia um Estado forte embasado em arianos nacionalistas e amantes da pátria. Essa seria a imagem ideal, na qual muitos alemães acreditavam, porém, de fato, o que se teve foi um Estado xenófobo, racista, autoritário e violento, isto é, real, e como disse Platão, passível de (muitos) erros.
Assim como o símbolo para Gilbert Durant culminava em soluções apaziguadoras aos problemas, para Platão a ideia é a própria solução, é perfeição. Inegável que as instituições sejam perfeitas em nosso imaginário, além disso, é assim que muitos preferem as ver: a Igreja Católica sem máculas, o Nazismo sem violência. No entanto, essa é uma perspectiva utópica. De fato, a imagem não é o objeto real, é o seu reflexo o qual podemos moldar de acordo com nosso ponto de vista. Assim sugeriu Escher com seu quadro multifacetado.
Fuvest 2010. Algumas das melhores redações.

BOM REPERTÓRIO: o candidato escolheu dois exemplos bem-sucedidos de instituições (recorte escolhido do tema) para ilustrara contraposição realidade da instituição X imagem criada: Igreja Católica (dogma Deus amoroso X Inquisição) e Partido Nazista alemão (amor à pátria X violência e xenofobia). A escolha de situações históricas reconhecidas no meio acadêmico reflete aproveitamento dos estudos do Ensino Médio. Mas, atenção - demonstrar conhecer fatos e personagens históricos não é garantia de que a redação será bem avaliada: as referências devem ser coerentes com o tema abordado e usadas para reforçar o ponto de vista.
ENCADEAMENTO: o candidato encadeou ideias com habilidade, relacionando grandes nomes pertencentes a diferentes áreas de conhecimento (e de épocas distintas) e fatos históricos. No último parágrafo, o autor retoma o quadro de Escher, citado no primeiro parágrafo: retomar ideias ou uma imagem usada no início do texto pode ser uma boa estratégia para "amarrar" a redação.

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